quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O pastor subversivo

Poucos têm compreendido o ministério pastoral com mais clareza que Eugene H. Peterson, professor de teologia espiritual no Regent College, em Vancouver, no Canadá, por mais de três décadas. Kevin A. Miller, editor de Leadership (Liderança) – uma publicação irmã da Christianity Today, de onde este material foi retirado –, conversou com o professor e autor de vários livros sobre os seguintes assuntos:

A responsabilidade primordial do pastor - Meu trabalho como pastor é chamar as pessoas ao arrependimento, a negarem a si mesmas, pegarem a sua cruz e seguirem a Jesus. Se eu substituo “Arrependam-se” por “Como eu posso lhe ajudar a colocar sua vida em ordem?”, eu estou me distanciando do Evangelho. Se eu subtraio a parte do “seguir” e digo “Vamos descobrir como você pode viver melhor a sua vida definindo-a da maneira que você desejar”, quem precisa de Jesus? Algumas vezes eu me sinto como alguém que circula por Times Square, em Nova York, carregando um cartaz que diz: arrependam-se! Faz 35 anos que sou pastor e não acredito nem um pouco que as pessoas sejam capazes de definir para si mesmas o que necessitam. Nós não nos conhecemos. Nós precisamos de Deus para nos dizer o que necessitamos. A coisa mais importante que um pastor pode fazer é levantar-se diante da congregação todos os domingos e dizer do púlpito: “vamos adorar a Deus”. Se isto deixa de ser a tarefa primordial que eu executo em termos da aplicação de minha energia, imaginação e do modo como eu estruturo minha vida, então eu já não funciono como pastor. Nosso trabalho fundamental é formar santos.

Problemas - Os pastores de hoje enfrentam mais problemas do que os pastores de gerações anteriores? Eu sei que esta é uma geração confusa, difícil, e ferida. Mas é possível que a principal diferença hoje não seja o quanto as pessoas estão machucadas, mas o quanto elas têm a expectativa de serem aliviadas de suas dores. O século passado conheceu tanto sofrimento quanto o nosso tempo conhece – a rigor, bem mais do que conhecemos hoje. Pense apenas em todas as enfermidades, mortes de crianças, pragas. A grande diferença hoje é que temos esta mentalidade de que, quando algo está errado, pode-se consertar. Você não precisa conviver com nenhum desconforto ou frustração em sua vida. E o pastor está na linha de frente daqueles que são abordados com a solicitação: “Faça-me feliz. Faça com que me sinta bem”.

Pessoas e programas - O Evangelho é experienciável. Não importa a qual a situação da pessoa; como pastor, você diz: “Esta pessoa pode experimentar o Evangelho aqui”. Isto, contudo, envolve dar atenção às pessoas – que é a maneira mais ineficiente de se fazer qualquer coisa. É chato, e quando você faz isto, você sente estar desperdiçando tempo. Afinal, existem comitês para os quais é preciso correr e orçamentos que necessitam ser equilibrados. O que então deixamos de lado para cumprir com todas estas obrigações? Ouvir as pessoas e vê-las em suas singularidades sem esperar nada delas. Deixamos de lado justamente o essencial. Pois quando você deixa de prestar atenção, as pessoas são categorizadas e recrutadas. 
A fim de criar tempo para as pessoas, de que os pastores têm de abrir mão? Eficiência. Controle. Resultados rápidos. A satisfação de agradar os outros. Estas coisas são, na realidade, terríveis, e abdicar delas resulta numa liberdade maravilhosa. Não existe nada mais satisfatório do que ser alguém que proclama o Evangelho, alguém que está ali para orar. Quando você faz isto, você se sente parte de algo original e criativo na vida das pessoas. Você assiste a ressurreição de vidas. Mas você não pode produzir esta ressurreição, pois ela nunca acontece quando você pensa que ela deveria acontecer. 

Sociedade - Esta cultura é uma cultura maligna. Através da mídia, dos amigos, das conversas, nós somos constantemente alimentados com mentiras. E, como a maioria das mentiras é 90% de uma verdade, engolimos as mentiras sem maiores dificuldades. Assim, a verdade do Evangelho vai sendo sutilmente enfraquecida. Você pensa que está pregando o Evangelho, mas não está. E você nem mesmo tem consciência disto. O trabalho do pastor é orar e estudar a Palavra. As pessoas na congregação estão ocupadas em seus empregos, lendo seus jornais, e participando de suas conferências. Como pastor eu preciso estar alerta em relação à minha cultura, de modo a evitar que minha congregação seja seduzida por ela. Se eu não fizer este trabalho, ninguém o fará.

O ritmo do ministério - É estranho: nós vivemos neste assim chamado tempo pós-moderno, e, no entanto, muito da imagem pública da igreja ainda tem a ver com este modelo racional, baseado no gerenciamento eficiente. Se os pós-modernistas estão certos, este modelo é ultrapassado; ele já não funciona mais. Neste sentido, sinto-me confortavelmente pós-moderno. Pois acredito que pastores precisam cultivar o hábito da “desocupação”. Meu pai era açougueiro. Quando ele entregava carne num restaurante, sentava-se ao balcão, saboreava uma xícara de café, e gastava ali algum tempo. Mas aquele tempo era fundamental para construir relacionamentos, para fazer negócio. Alguns pastores não andam à toa pelas ruas, não desperdiçam tempo. Seu tempo é muito precioso. Eles correm para a tumba, e ela está vazia; então eles correm de volta para seus escritórios. Eles nunca vêem a ressurreição. Para se desocupar, o pastor precisa desvencilhar-se dos egos (o próprio e o de outras pessoas) e começar a lidar com almas. 

Oração - Eu quero ir além da idéia de que oração é uma atividade solitária do tipo faça-você-mesmo. Tenho tentado compreender a magnitude da oração, o mistério da igreja em oração. De alguma maneira, eu quero descobrir como as pessoas podem desconectar-se um pouco da correria de nossa cultura e engajar-se na prática do silêncio e da solitude. Estou disposto a trabalhar com pessoas visando descobrir como fazer isto, mas este é um trabalho lento. A maior parte do trabalho pastoral é trabalho lento. Não se trata de um programa que você organiza e faz acontecer. O trabalho pastoral é uma vida. É uma vida de oração.

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