sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Nossas reações alérgicas

Alguns reagem à igrejas que fazem as coisas de modo simplista e desleixado, outros à igrejas que fazem tudo 'com excelência'. Tanto num caso como no outro, uma reação negativa pode ser fatal.

Um amigo afirmou com sabedoria: “Você está tão doente quanto o demonstra sua reação”. Como acontece no caso de alergias, o número de coisas contra as quais reagimos e a intensidade de nossas reações, revelam o quão maior é a possibilidade de que nossa alma venha a adoecer e nosso ministério venha a se tornar amargo.
Eu já vi isto acontecer com muitos de meus amigos. Lembro-me de um deles que, numa ocasião em que estávamos reunidos num grupo, nos confidenciou o seguinte: “Eu sou motivado pela competição, pelo desejo de ter a maior e mais criativa igreja. Sou impulsionado pela necessidade de ser relevante”. Então outro amigo pastor lhe respondeu: “Esta motivação irá lhe destruir um dia. Você precisa tratar isto”. “Você provavelmente está certo”, ele replicou. Mas nunca tratou a questão, pois de certa maneira, era aquela ambição que o mantinha caminhando adiante. Sua profunda reação contra igrejas pequenas, chatas e disfuncionais o levou a abraçar um estilo de pastorado onde sua vida pessoal era descuidada. Com o tempo, ela se deteriorou e acabou por destruir seu ministério. Ele era um bom homem, mas caiu na armadilha da reatividade. 
Outro amigo nutria uma forte reatividade contra o legalismo. Tal coisa o irritava com indignação, pois tornava a vida cristã tensa e sufocante ao invés de alegre e arejada. O legalismo – ele bem sabia – deforma as comunidades tornando-as mesquinhas em lugar de misericordiosas. Motivado então por esta santa indignação, ele decidiu fazer de tudo para evidenciar seu distanciamento deste mal. Um palavrão acidental ou um copo de cerveja de vez em quando talvez não lhe causassem maior dano se o seu comportamento não se fundasse numa reação tão forte contra o legalismo. Mas logo ele estava usando uma linguagem obscena que ultrapassava em muito a linha do bom senso, fazendo com que as mulheres se sentissem inseguras e os homens se sentissem impuros. Porém o golpe fatal em sua credibilidade foi desferido pelo modo excessivo como consumia bebida alcoólica. Já teria sido ruim o bastante se sua reatividade contra o legalismo tivesse arruinado apenas seu ministério. Mas infelizmente ela arruinou também as vidas espirituais de vários membros de sua comunidade.
Enquanto algumas pessoas reagem contra a mediocridade e o legalismo de algumas igrejas, outras pessoas – sinceras e cheias de sabedoria e profundidade – reagem contra as megaigrejas, as quais percebem como impessoais e rasas. Em sua reação exagerada contra a “imagem empresarial” que estas igrejas tendem a projetar, falham em estabelecer limites “profissionais”, o que freqüentemente resulta em esgotamento pessoal e fracasso familiar.  O modo como reagem contra a superficialidade os leva a um tipo de elitismo, que estranhamente se orgulha do fato de serem compreendidos por umas poucas pessoas apenas. Em sua reação contra a organização de tipo empresarial, descuidam do bom gerenciamento da igreja e, por vezes, encontram-se impedidos de levarem adiante os planos da comunidade; isto quando não se encontram endividados.
Alguns reagem a igrejas que fazem as coisas de modo simplista e desleixado, outros a igrejas que fazem tudo “com excelência”. Alguns reagem contra “liturgias mortas” enquanto outros reagem a “carismania”. Ex-fundamentalistas podem reagir ao passado tornando-se relativistas e agnósticos. Ex-liberais podem tornar-se fundamentalistas rígidos. O grande problema, contudo, não são nossas reações exageradas em si mesmas, mas nossa dificuldade em percebê-las e nomeá-las. Pois, em geral, não estranhamos aquilo que é socialmente aceito. Aqui é onde nossas denominações e redes de relacionamentos podem criar problemas para nós: estas reações exageradas quando compartilhadas entre as pessoas de um grupo podem tornar-se distintivos de honra. O líder que reage mais fortemente contra a alergia compartilhada é visto e admirado como o mais fiel e corajoso. Inconsciente de sua reatividade, tal líder acaba conduzindo outras pessoas numa direção equivocada, rumo a um destino que não corresponde àquele para o qual as pessoas pensavam caminhar.
é claro que a reatividade mais difícil de detectar é a minha própria. é, sem dúvida, uma das traves em meu olho que posso tolerar ao passo que me angustio com os ciscos não tratados nos olhos dos outros. Mesmo enquanto escrevo estas palavras alertando contra o perigo da reatividade, encontro-me suscetível a ela, assim como você também se encontra enquanto as lê e balança a cabeça concordando com o que digo (ou não).

O que fazer?
é tentador apresentar o auto-exame como a resposta para esta situação, mas o que aconteceria se os critérios com base nos quais eu me auto-examino estivessem também contaminados por minha reatividade? Alguns de nós fomos abençoados com uma boa capacidade crítica, a qual pode ajudar na identificação de nossas áreas de reatividade. Mas é possível que nós tentemos reagir contra as críticas. Afinal, nossas áreas sensíveis não exercitariam sua própria reatividade? Poderíamos apresentar o estudo da Bíblia como a resposta, uma vez que a Bíblia possui um incrível equilíbrio que nos serviria de referência. Mas, como nós todos sabemos, é muito fácil focarmos somente naquilo que reforça nossa reatividade e deixarmos tudo mais escapar. 
Possuir um diretor espiritual ou um amigo de confiança de outra tradição teológica pode ajudar muito. Também pode ajudar uma amizade com alguém que não seja membro de nossa igreja, ou que seja adepto de outra religião, se dissermos para esta pessoa: “Por favor, se você perceber que estou reagindo mal, fale-me sem rodeios”. Talvez não exista uma proteção segura o bastante contra a insensatez, da qual a reatividade é uma forma. Mas podemos admitir que os melhores entre nós sejam também passíveis de ter reações negativas e então possamos buscar nos proteger não apenas daquilo contra o que reagimos, mas também de nossas próprias más reações. Isto nos colocará num caminho, se não de segurança, de vigilância certamente.

Brian McLaren

Fonte: Cristianismo Hoje

Um comentário:

Thiago Mendanha disse...

Nuussa, esse texto mostra bem as consequencias de polarizarmos nossa vida, a igreja e Deus!

Muito interessante... acho o McLaren muito sóbrio nestas questões! Ele sabe dosar as coisas