sábado, 13 de dezembro de 2008

O filósofo pródigo


O homem é um ser filosófico por natureza. Seu desejo por "saber" faz parte de sua essência.
Por isso  satanás tentou-o oferecendo-lhe "conhecimento total" e "imediato". Só que de outra fonte. Fonte dissociada do amor e da sabedoria, incapaz de lhe dar o conhecimento adequado, na quantidade certa e no tempo apropriado. Ele não tinha estrutura para receber tamanha carga. Não sabia lidar com aquilo. Entrou em colapso.
Suas necessidades e questionamentos filosóficos, indispensáveis para pôr ordem ao seu viver, não foram atendidas. Coisas básicas como: Quem sou eu? De onde vim? Pra onde vou? e o que estou fazendo aqui?, clamavam por respostas.
De vez em quando tirava algo do saco cheio de coisas colhidas da árvore e gritava: "Bingo", enquanto ouvia outros gritarem "bingo" também, ao tirarem, cada um do seu saco, algo diferente. Mas a banca da alma não aceitava. Algo não se encaixava. O que aumentava ainda mais suas dúvidas, questionamentos e insatisfação.
Constantemente descia para a praça do Conhecimento e da Cultura. Como um grande mercado livre, ali se reuniam mercadores variados, com grandes sacos cheios de produtos da árvore, gritando e afirmando terem o suprimento milagroso para a alma. Cientistas, filósofos, religiosos e todo tipo de inventores proclamavam com aparente convicção terem as respostas. Mas a propaganda era enganosa, pois supria sim algumas necessidades secundárias, mas ainda havia algo que não se encaixava. Havia ali também artistas, com estranhos e belíssimos produtos da árvore, manufaturados com inteligência e talento, mas que nem todos sabiam usar. Eram somente para gente mais evoluída, diziam eles. Ali estavam também os aliviadores. Eles não prometiam as respostas e sim um pouco de alívio para a ansiedade dos questionamentos, mas os efeitos colaterais indesejáveis eram terríveis. Era a desilusão, pois as soluções que tinham na praça, além de não funcionarem plenamente, não supriam nem as necessidades daqueles que as proclamavam. Alguns continuavam com elas pois ainda não haviam notado sua ineficiência; outros fingiam que funcionavam pois respeitavam demais quem lhes fornecera e outros por falta de algo melhor ou porque assim aprenderam.
Revoltado o homem decidiu não confiar mais em ninguém e buscar as respostas sozinho. Viu-se, então, limitado aos produtos da árvore e a si mesmo e o mundo e a vida eram maiores do que isso. O homem deveria ser mais do que um amontoado de desejos e instintos. 
Descobriu-se um auto-didata de coisas inúteis.
Estava mal; sua alma suspensa por um fio sobre o caos da demência. Precisava de alguém que lhe ensinasse as respostas. Mas quem, se todos colheram da mesma árvore e estavam limitados a sí mesmos?
Deveria ser alguém que transcendesse a árvore, o gênero humano e o tempo. Alguém que estivesse presente no planejamento, antes da fundação do mundo. Talvez o próprio criador. Será que ele se importaria em responder? Mesmo assim ele, com certeza, sabe as respostas.
Lembrou-se de seu antigo professor. O homem o havia rejeitado em troca da árvore. Péssimo negócio. Ele se importava pois o advertira com relação aos perigos da árvore. Voltaria a ele. Isto significava abrir mão de seus achismos, teorias e elocubrações construidas com produtos da árvore. Algumas eram de estimação pois eram obra de suas mãos. Outras eram adquiridas de pessoas brilhantes e famosas, detentoras até de prêmios Nóbel. Outras já eram tradição de família, consideradas praticamente cultura.
Era o preço de um caminho diferente da lógica arborífera. O próprio professor já havia dito que esse caminho seria loucura para aqueles que preferíssem o da árvore e que o curso não visava o sucesso neste mundo.
Foi o professor quem o encontrou na rua e com um sorriso disse: - Sempre aguardei a sua volta, vamos pra casa! Seguiu-o silenciosamente. Ao entrar o professor disse: - Descanse, deixe o saco na dispensa. Só vamos usar aquilo que precisarmos e quando precisarmos.

Pr Julio Soder



2 comentários:

Débora disse...

Muito boa a materia!!Gostei muito!!

Patrick Moreira disse...

Meus parabéns!
Ótimo texto!
Vou colocá-lo no meu blog, ok?
T+!
Continue postando!