...Continuação.
Chegamos em Rondônia em 1984.
Eu, Elenir, Maita, nossa filha de quase um ano e um amigo, sócio, relojoeiro e viciado como eu.
Fomos morar bem no interior, fora do eixo da BR 364, numa cidade que estava começando, Alta Floresta.
Eram seis meses de seca e seis meses de chuva, poeira e barro, muito calor e condições precárias. Tudo era muito caro e também cobrava-se caro por qualquer serviço.
Havia trabalho pra todos, muita madeira, muito ouro e muita cocaína pura. Era a economia da região na época.
Montamos a relojoaria que logo começou a prosperar mas dinheiro na mão de viciado é vento.
Logo conhecemos os "malucos" do lugar. A cocaína atrai gente diferente do usuário de maconha. Ali cheiravam abastados comerciantes, políticos, fazendeiros e gente "respeitável" da cidade. As reuniões para curtir parecia um evento familiar.
A quantidade e a freqüência de uso foram aumentando gradativamente e eu não percebia que estava afundando. Quando queria droga em quantidade e qualidade maior e mais barata era só ir à Bolívia, à cerca de quatrocentos quilômetros dali, distância pequena para uma região enorme. Fiz esse trajeto várias vezes.
Eu só trabalhava "doido", quase não dormia e comia pouco. Compromissos profissionais descumpridos, dívidas no banco, com a colaboração do plano cruzado do Sarney e vivendo em função da droga, em menos de três anos a falência financeira e moral batia à porta.
Então, em 1987, eu, Elenir, Maita e Lucas, nossos filhos, mudamos para Cacoal, apenas com as ferramentas para a fabricação de jóias a fim de recomeçar a vida.
Foi uma ilusão achar que a mudança de lugar mudaria a minha vida. O problema estava comigo; eu era o problema.
Foram mais sete anos de dores e ranger de dentes. Tive overdose quase letal algumas vezes. Agora eu não cheirava mais; eu injetava; o efeito era maior. Naquele calor da Amazônia eu vestia manga comprida para esconder as picadas nos braços.
Propositadamente omito aqui as circunstâncias, as peripécias e os detalhes escabrosos deste tempo. Isto ocuparia um livro e não tenho prazer nenhum em relembrar a sordidez dos meus pecados.
Sinceramente tentei largar as drogas várias vezes. Mas meus esforços duravam pouco. Se com a cocaína era ruim, era pior sem ela. O grito silencioso e angustiante da alma estava lá e agora, mais desesperado.
Pensei em suicídio muitas vezes. À princípio parece uma idéia absurda mas a falta de uma solução eficaz vai tornando-a aceitável.
Apesar de minha vida conjugal e familiar estar indo de mal a pior eu os amava. Eles sofriam e a culpa era minha. Decidi acabar com aquele sofrimento. Eu suicidaria naquela noite. Bastava tomar uma pequena quantidade de cianureto, substância que eu utilizava na fabricação de jóias.
Eram 9 horas da noite. Eu já tinha usado muita cocaína e bebida e esperava todos dormirem para tomar o veneno. Minha esposa ia passando pela sala e eu disse a ela: - Hoje os teus problemas vão acabar!
Ela saiu pelos fundos e eu só fiquei sabendo meses depois que ela pressentiu algo de muito ruim e foi falar com uma vizinha crente, que ligou pra outra crente e não sei por quantos crentes passou até que às 11 horas daquela mesma noite a Dra Raquel de Carvalho, médica e crente de verdade entrou na sala da minha casa.
Ela é pequena, de voz mansa e autoridade inquestionável e perguntou-me: -Você quer sair desta vida?
Mostrei-lhe os braços todos marcados pelas picadas e disse: - Pra mim não tem jeito mais.
Ela olhou pros meus braços e disse: Isto é muito pouco pra Jesus, meu filho. Que ir para um lugar onde você possa ser ajudado?
Eu disse: Quero, vou morrer mesmo. (Que mal faria?! Eu já estava morto mesmo).
Aquela mulher me amou sem nunca precisar dizer "eu te amo". Ela pagou a minha passagem, pagou uma pessoa para me levar e ajudou a sustentar minha familia enquanto eu estava no programa de recuperação e ajuda até hoje. Não somente pelo que ela fez por mim mas pelo que vejo na vida deles, Credival e Raquel de Carvalho são os crentes mais legítimos que conheço. E eles nem "falam em línguas" e nem precisam.
Então, no dia de "Finados" do ano de 1993, cheguei na Casa de Recuperação do Desafio Jovem Peniel na cidade de Ariquemes em Rondônia.
Continua...
Pr Julio Soder
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
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Um comentário:
Estou seguindo a tua história.
Morei também naquela região de 1990 a 1991. Você foi para o pior lugar em que um drogado poderia ir, pois a cidade (Cacoal) é infestada pelo tráfico. Conheço pessoas naquela cidade. Meu irmão mora em Espigão do Oeste, cidade próxima de Cacoal, tem varios amigos lá. Caso eu não esteja enganado, penso que ele conhece ou conheceu a referida médica.
A sua história é uma lição de vida. Cristo é de fato maravilhoso.
NEle.
Ricardo
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